Embora em períodos de crise, seja natural sentir compaixão e empatia por aqueles que sofrem mais e, consequentemente, presenciemos frequentes cenas de cooperação, de generosidade, a tendência é que, nesses tempos de crise, haja mais demanda por empatia do que oferta de empatia.

Usualmente definimos empatia como a habilidade de nos colocarmos no lugar do outro. O problema é que essa definição nos coloca diante de dois paradoxos.

O primeiro é que a pandemia tem uma característica singular. Cada um de nós está vivenciando situações totalmente inesperadas, imprevisíveis e inéditas, não em termos da história humana e sim desta geração. Tratam-se de dramas, tragédias, oportunidades individuais que têm, como ponto em comum, o fato de acontecerem pela primeira vez.

Assim sendo como nos colocarmos no lugar do outro se nunca experienciamos algo semelhante? Como demostrarmos empatia de forma sincera e genuína sem que pareça fake? se pessoalmente não passamos, nem de longe, pela experiência do outro?

O segundo paradoxo é que a aplicação literal da definição não funciona quando precisamos dar provas de empatia uma vez que em absoluto, ninguém pode se colocar no lugar do outro e, quando alguém tenta fazê-lo, temos, não raro, a sensação de desconforto ou, até, de invasão de nossa individualidade. Isso ocorre porque empatia não é identificação. Empatia não é simpatia.

Por exemplo, quando ouço as expressões “eu sinto que você….” / “tenho a certeza de que você…” / “eu sei que você….” / “como você já sabe….”, percebo-as como invasivas, porque aquilo que sinto e quero é algo muito íntimo e pessoal; consequentemente, uma voz interna responde: “quem é você para sentir por mim, para ter certezas por mim, para saber por mim?”. Bem assim, quando me dizem: “entendo o seu ponto de vista…” / “compreendo o que você disse…”, minha vontade é perguntar: “o que você entendeu? dê-me uma prova de que compreendeu.”.

Da mesma maneira, quando aconselhamos, sem que o outro nos tenha pedido (“se eu fosse você…”), ou sobrepomos nossa história à do outro (“eu também já passei por isso….”), corremos o grande risco de deixarmos de ser empáticos, porque assumimos o protagonismo, que deveria ser do outro.

Presenciei, até, uma situação infeliz em um hospital, relacionada a cuidados paliativos. A enfermeira, querendo demostrar empatia a uma mãe, que chorava, desesperada, porque estava perdendo o filho de 28 anos, com câncer, disse: “se eu estivesse no seu lugar, já teria me matado…”.

Reconheço que, em todos esses casos, existe a intenção empática de se colocar no lugar do outro, infelizmente a intenção não é suficiente na hora de dar provas de empatia.

A boa notícia é que nossa sensibilidade, neurônios espelhos e uma programação ancestral de nosso cérebro fazem com que, mesmo que nossos sentimentos não sejam exatamente os do outro, a situação deste nos afeta, não nos deixa indiferentes. O fato é que somos sensíveis as necessidades do outro e não custa nada acolher e reconhecer elas, nem que seja com palavras.

E então? Como dar provas de empatia que funcionem?

Primeiramente, sugiro adotar uma nova definição:

“demostrar empatia é fazer com que o outro sinta que suas necessidades foram escutadas e acolhidas, embora nem sempre nos identifiquemos ou concordemos com elas”.

Mesmo que o atendimento à necessidade do outro não esteja a nosso alcance, nem sempre dependa de um comportamento nosso, podemos, por meio da precisão e clareza de nossa fala e escuta, mesmo que à distância, dar-lhe provas de empatia, que costumam acontecer quando:

  • Inspiramos antes de responder, além de mostrar que as palavras do outro estão ressoando em nós, é uma maneira de evitar respostas reativas;
  • adotamos uma postura de abertura física e mental; desenvolvemos nossa curiosidade, interessando-nos genuinamente pela visão alheia; fazendo perguntas abertas, uma de cada vez;
  • acolhemos as palavras do outro como são, sem concordar nem discordar. Através de uma suspensão temporária do ego e do julgamento;
  • mencionamos a repercussão que as palavras dele tiveram em nós, através de uma “história personalizada” criada por nós mesmo e que consiste em repetir, ao máximo, as palavras exatas do outro, introduzindo-as por expressões, tais como: “quando você me disse…., eu me senti…” / “você falou…., e eu fiquei…” / “sinto que eu….” / “isso me remete….” / “realmente …” / “faz sentido…, sobretudo….” / “é natural….”/ “é legitimo…, ainda mais que….” e a seguir dar prova de escuta contando o impacto que as palavras dele tiveram em nós.

Insisto neste aspecto: é a qualidade da história personalizada que acolhe; portanto, não basta responder: “eu sei como é”/ “é verdade” / “concordo” / “compreendo “ / “entendo o seu ponto de vista”...

Imaginemos que um colaborador seu reclame, com razão, de que não aguenta mais as reuniões “online” porque as considera improdutivas. Uma coisa é dizer: “você tem razão” ou “é verdade, também acho”; outra, bem diferente, é contar uma história pessoal: “Quando você me diz que não aguenta mais fazer reuniões virtuais em sua casa, é natural, pois se trata de uma situação nova. De fato, elas podem parecer improdutivas, ainda mais porque a qualidade do som e da imagem falham frequentemente….” ou esta: “Quando você me diz que não aguenta mais fazer reuniões virtuais em sua casa, sinto muito e fico com a impressão de que precisamos melhorar, tanto a duração quanto a maneira de conduzi-las; o que você sugere?”.

Por vezes, simples expressões como: “caramba!”, “poxa!”, “não acredito!”, ditas com sinceridade e emoção, constituem provas de escuta e fazem com que o outro se sinta acolhido. Se acolher não significa concordar ou se identificar, talvez você se questione:

Como discordar de forma empática, sem gerar atritos desnecessários?

Afirmo que isso é possível:

  • Desde que, primeiramente, tenhamos acolhido a história do outro e oferecido uma prova de escuta, demonstrando, verbalmente, a repercussão que as palavras do outro tiveram em nós.
  • Desde que substituamos as conjunções adversativas, tais como: “mas”, “no entanto”, “porém”, “contudo”, pelas expressões aditivas: “ao mesmo tempo”, “e”, “por outro lado”, “além disso”, a fim de estabelecermos a transição do acolhimento para o posicionamento.
  • Desde que substituímos as falas “VOCÊ” com conotação crítica, de acusação e julgamento, por falas “EU” na primeira pessoa. Por exemplo troquemos frases tais como: “não concordo, você está errado…” / “você não entendeu!” / “eu já te disse!”/ “você precisa entender que….”, por estas: “tenho uma opinião diferente…”/ “enxergo de outra forma…” “preciso ser mais claro….” / “deixe-me explicar melhor…”.

Isso significa que oferecer empatia não implica sair do palco, para colocar o outro em nosso lugar. Ao contrário, trata-se de conjugar duas histórias, levando em consideração os “quereres” e “sentires”, necessidades e emoções do outro, antes de se posicionar de forma sincera e transparente, mas jamais violenta. Neste momento, talvez você se pergunte:

Como demostrar empatia, se considero que o outro não precisa ou não merece?

Para responder-lhe, peço que imagine situações onde você combinou algo, com uma pessoa que não é do seu círculo próximo, e ela não o cumpriu; que imagine que em tempos de confino você possui regras de convívio para sua casa, condomínio, comunidades, e um dos membros passou a desrespeitá-las; ou ainda que você percebeu que alguém mentiu ou o traiu.

Será que, nesses casos, você precisa, mesmo, demostrar empatia? Se, para que o problema seja resolvido, um comportamento especifico do outro se faz necessário, então a minha resposta é “sim”. Não adianta mostrar que você tem razão e esperar que ele tome consciência de que está errado, porque não se trata de negociar crenças, mas, sim, comportamentos e obter um determinado resultado. Diante disso, não há melhor ferramenta de engajamento do que a escuta empática na hora de alcançar resultados.

Lembro-me de que, em um “workshop”, uma das participantes (em um dos exercícios que simulavam interação com um revendedor dela, o qual ela achava ser de má-fé) não conseguia deixar de se comunicar com violência. De repente, ela passou a demostrar empatia. Perguntamos: “o que aconteceu?” e ela respondeu: “em vez de imaginar o revendedor de má-fé, passei a considerar exatamente os mesmos fatos e a fazer como se estivesse falando com o meu revendedor favorito”.

Portanto, independentemente do real intento do outro, as dicas são:

  • para obter os resultados desejados, cabe-nos acolher a legitimidade da fala do outro e nos concentrarmos nos fatos, deixando de lado a nossa tendência de atribuirmos más intenções aos outros. Naturalmente isso requer desapego e abandonar uma visão autocentrada do mundo, bem como deixar de levar para o lado pessoal e aceitar que o outro está fazendo o melhor, dentro das limitações dele;
  • interessar-se pelo outro, mesmo que ele diga o que não queremos ouvir, compreendendo que deve ter motivos legítimos para pensar daquela maneira, lembrando que acolher a estes não significa necessariamente concordar com eles;
  • antes de rebater (o que constitui nossa tendência natural), inspirar profundamente, escutar e dar provas de escuta.

Todas essas reflexões suscitam outro paradoxo, como praticá-las, se, principalmente em épocas de crise, nossas próprias necessidades não são acolhidas?

Como pedir empatia para nós mesmos?

O fato é que quanto mais acelerado, quanto mais estressado, quanto mais informado => menos empáticos e mais indiferentes a dor alheia nos tornamos. Riqueza da informação, sobretudo em períodos de estresse, provoca pobreza da atenção e, consequentemente um declínio da escuta e da empatia.

Em situação de crise, cada um de nós passa pela conhecida curva da emoção, que desperta nossos reflexos mais básicos de sobrevivência, defesa e medo. Assim é natural que diversas questões nos acometam: como lidar com o confinamento? como manter foco com crianças em casa? como ajudar, se estamos impedidos de sair de casa? o que acontecerá com nossas famílias, amigos, empresa, saúde? o que vai acontecer com nossos empregos, metas, planejamento, dívidas? vai passar? sim, mas a que preço? A nossa mente é campeã em se pré-ocupar com aquilo que não tem respostas. Assim, é totalmente natural que tenhamos dificuldades para dormir, para lidar com esse “novo normal” e, sobretudo, para sermos empáticos, porque os reflexos automáticos da sobrevivência traduzem-se em padrões tóxicos de linguagem.

Então, para quem sente falta de empatia e acolhimento, menciono, abaixo, duas dicas.

  • É preciso dar para receber. Convites do gênero “coloque-se em meu lugar” não funcionam. Empatia se oferece, não se pede. Ela obedece à lei da reciprocidade, uma das mais universais.
  • Assim, para que você se sinta escutado e acolhido, não espere que o outro adivinhe suas necessidades e emoções; ao contrário, verbalize, de forma clara e não violenta, o comportamento que espera do outro; desse modo, estará oferecendo insumos e matéria-prima para que ele possa demostrar empatia para você.

Em tempos de crise e carência, mesmo que nos possamos sentir impotentes frente aos acontecimentos externos, dar provas verbais de empatia faz toda a diferença, semeia leveza em ambientes pesados, provoca engajamento, boa vontade e dissolve resistências. Além disso, não custa nada; basta inspirar profundamente antes de falar (isso impede o surgimento de respostas automáticas) e elaborar uma prova de escuta, sob a forma de uma história acolhedora e personalizada.

Eis meu convite: que tal demostrar empatia à distância, sem contato físico, para nossos pares, colegas de trabalho, familiares, mesmo quando achamos que estamos todos “igualmente vítimas” da mesma situação? Que tal demostrar empatia mesmo para aqueles que acho que não precisam ou não merecem, mesmo quando ela é o que mais nos faz falta, mesmo quando nossas necessidades básicas não são atendidas?

Sobre o Autor: Thomas BRIEU, Franco-Brasileiro, ao longo de 15 anos de observação e experimentação em milhares de conversas e negociações, se questionou: o que provoca aproximação e o que provoca resistência no outro?

Incorporando os estudos mais recentes sobre neurociência, liderança, negociação e andragogia, desenvolveu um método que permite a cada pessoa mapear os seus padrões não produtivos de linguagem e de escuta e praticar alternativas eficientes de comunicação como uma nova ecologia da linguagem.

Atualmente reside no Brasil e é reconhecido pelos seus treinamentos em Escutatória, Foco, Liderança, Vendas, Storytelling ao vivo e Inteligência Emocional.

Além disso, se dedica à projetos de conservação (RPPN´s) e estuda o que a natureza e a biomimética têm para nos ensinar no que se refere a comportamentos e relações humanas, por exemplo, no jogo de competição x cooperação.

Thomas Brieu