2 x 4 DICAS PARA FALAR DE FORMA A SER ESCUTADO
Fico perplexo, ao perceber que as pessoas falam por falar e, não, para serem escutadas.
A riqueza de informações está provocando uma pobreza da atenção. Assim, torna-se cada vez mais desafiador captar a escuta do interlocutor. Entretanto, dispomos de um aliado: ao longo dos últimos 100.000 anos, nossa mente foi “programada” para se interessar por conteúdos e absorvê-los no formato de história ou narrativa, cujos padrões foram descritos e são utilizados pelo storytelling (contação de história).
Quando duas pessoas se aproximam, suas duas histórias que se encontram, e existe grande possibilidade de que uma delas se sobreponha. A fim de evitar que você se torne o vilão da história do outro, reuni algumas dicas para que ambos se sintam protagonistas. São exemplos de alguns padrões de linguagem como uma degustação daquilo que chamo de “storytelling ao vivo”.
1º – Não fale enquanto o outro não escuta!
Fato: A atenção do outro é um presente raro e precioso; quando a conseguimos, devemos alimentá-la com delicadeza, para que perdure.
1.1 Cuide das primeiras palavras
Quando conversamos pessoalmente e, ainda mais, por telefone, corremos um grande risco de que as primeiras palavras sejam desconsideradas (quem não se esquece dos nomes ou sobrenomes daqueles que acabam de nos ser apresentados?). Por isso, sugiro que você se empenhe na intensidade (não na duração) das suas primeiras falas no intuito de captar a atenção antes de entrar no assunto. Quando no telefone, pratique a regra das três interações, ou seja, faça o seu interlocutor falar três vezes antes de que o tema principal seja abordado.
Além disso, em frases longas, as primeiras palavras são aquelas que o cérebro mais facilmente descarta, para evitar a sobrecarga das suas “gavetas”, fazendo com que o interlocutor, em geral, responda a apenas um dos pontos da sua fala, frequentemente o último. A fim de evitar isso, use frases mais curtas, coloque suas ideias uma de cada vez, obtenha o feedback para cada uma delas e, assim, multiplicará as interações que constroem a conexão.
1.2 Escute a curva das emoções
Escutamos proporcionalmente às emoções que as palavras do outro evocam em nós. Se, porventura, nossas palavras provocarem fortes sentimentos, o outro percorrerá, por algum tempo, a primeira metade da conhecida curva, reproduzida a seguir, e, enquanto isso, deixará de ouvir o restante do que você diz. Por isso, aguarde que ele chegue à segunda metade, antes de continuar.
Qualquer entrave à visão de mundo do outro, a seus planos atuais ou futuros; um simples julgamento, que nos escapa, pode acionar a reação acima descrita.
Exemplo |
Padrão |
“Você é” / “Você está…” |
Frases iniciadas assim colocam o outro em posição de defesa, por carregarem o peso de um julgamento e se assemelharem a um dedo apontado em direção a ele. |
1.3 Não justifique antes da hora
Uma justificativa é um argumento que não foi pedido ou que chega antes da hora. Assim, seus argumentos podem ser ignorados ou causar desconforto, se você se explicar, sem que o outro tenha pedido, ou antes da hora (posição de defensiva). Por outro lado, como vemos no workshop de escutatória, empregada no momento adequado, a justificativa se constituirá em poderoso argumento.
1.4 Abra as “gavetas” e provoque perguntas gerando um suspense
Uma das técnicas mais simples que podemos aprender com o storytelling é recorrer a frases que criem suspense, porque não revelam o assunto, e que colocam o holofote no ponto que vem exatamente a seguir. Ela também é denominada teaser. O sinal que funcionou é quanto o outro nos faz uma pergunta, como se tivesse mordido a isca. Quando isso acontece é a prova que ele está escutando.
Exemplos |
Padrão |
“Olha, preciso de sua atenção, chegou a hora de tomar uma decisão….” / “Vou-lhe fazer um pedido e, independentemente da resposta, respeitarei sua decisão…” / “Tenho um convite especial…” / “Eu vim para ouvir seu ponto de vista…” / “Estou curioso para saber como vai terminar nosso encontro…” / “Preciso de sua atenção e discernimento para este ponto essencial…” / “Vou-lhe fazer um pedido que me deixa dividido; de um lado, me sinto [..] e, do outro,…” / “Me sinto entre a cruz e a espada e preciso de sua opinião…” |
Como uma degustação prepara as papilas gustativas, essas frases abrem as “gavetas” e fazem com que o outro pergunte como sinal de que ele quer saber mais. |
“Tenho três bons motivos para que você […]; que tal?” / “O que você acha de ver a situação por outro prisma?” / “E se eu lhe der três bons argumentos para avançarmos neste ponto, o que você me diria?” / “Se eu atender seus critérios, qual é a probabilidade de fechar o contrato comigo?” |
Essas frases suscitam a pergunta do outro, antes que comecemos a argumentar. Ao mesmo tempo elas valorizam aquilo que será dito a seguir. |
Uma simples inspiração antes de falar |
Suspense: vai vir algo interessante |
Uma simples expiração ou bufar antes de falar |
Coloca o outro na defensiva |
Moral da história: se quiser ser escutado, valorize sua fala, abra as “gavetas”, antes de colocar, nelas, a informação, criando um suspense e provocando perguntas. Para tanto, empregue frases curtas, não queime seus cartuchos antes da hora. Observe, inspire e contenha sua ansiedade: chegará o momento em que o outro dará uma prova de escuta, perguntará algo, pedirá um argumento; então, ele vai se projetar, se imaginar na ação e interagir com você. É esse o sinal de que o outro o está escutando.
2ª – Coloque o outro como protagonista, tanto quanto você!
Fato: Os momentos de fala são consequência e resultado da escuta. Como na natureza, é a lei da reciprocidade que detém a primazia na comunicação. Tendemos, naturalmente, a colocar nossa história em primeiro plano e, consequentemente, o outro como personagem secundária ou um mero figurante dela. O protagonismo, de que tanto se fala, não tem valor, se não convidamos o outro a assumir esse lugar conosco.
2.1 Dê provas de escuta, interessando-se pelo outro
Dê brilho ao outro, faça-o existir por meio de seu interesse genuíno e de suas perguntas. Evite suposições e investigue as palavras dele. Entretanto, cuidado: investigue as palavras do outro e não o outro em si, evitando, assim, o risco de parecer invasivo.
Exemplos |
Padrão |
“Eu sinto que você…” / “Tenho certeza que você…” |
Essas frases são invasivas, pois o interlocutor pode pensar: “quem é você para sentir por mim, ou ter certeza por mim?”. |
“Como foi o seu dia…” / “Como você se sente…” |
Perguntas abertas demais podem provocar uma certa preguiça. |
2.2 Reúse as palavras do outro
As pessoas estão muito mais interessadas pelas próprias palavras, do que pelas suas. Por isso, inicie sua fala reusando as palavras exatas do outro. Construa sua narrativa, suas perguntas, sua argumentação sobre as palavras do outro. Para isso, é necessário desenvolver as técnicas de anotação, mencionadas no artigo anterior.
Exemplos |
Padrão |
“Quando você me diz….”, “você falou que ….”, “você me perguntou….”, ou equivalentes |
Ao iniciar sua fala com essas frases ou, simplesmente, reutilizando as palavras exatas empregadas pelo outro, você estará não apenas dando prova de escuta, mas também levando seu interlocutor a viajar em uma máquina do tempo, que o fará voltar para o momento e as emoções sentidas quando as pronunciou. |
2.3 Coloque-se em posição de igual para igual
Para que se construa uma narrativa com duas personagens, de igual para igual, é fundamental assumir o lugar do “Eu”. Em alguns casos, sem percebermos, nos colocamos em posição inferior à do outro. Embora, na maioria das vezes, a intenção seja a melhor possível, essa conduta não permite que estejamos em condição de igualdade, necessária para a manutenção de um diálogo saudável.
Exemplos |
Padrão |
“Desculpe…” / “Obrigado (a)…”, “Queria lhe pedir ajuda…”, “Um pouco, um pouquinho” / “Gostaria…, queria…”, agradecimentos empregados em situações que não os exigem |
O uso excessivo dessas expressões tende a nos colocar em posição inferior à do outro. |
Em outras situações, tendemos a nos colocar acima do outro; por exemplo, quando supomos ou generalizamos, o que, além de tudo, pode gerar polêmica. Isso também acontece quando assumimos o papel do professor (que sabe mais do que o outro) ou nos colocamos na posição de ajudar (como salvador da pátria).
Exemplos |
Efeito Negativo |
“Você não acha que seria melhor se….?”/ “Você concorda que …. e que …?” / “Não é verdade que …?” |
Perguntas fechadas visam conduzir o outro a pensar como eu e, portanto, as vezes, podem fazer com que se sinta manipulado. |
Suposições e generalizações |
podem se revelar ariscadas e provocar polemicas, pois pode parecer que “eu sei mais do que o outro”. |
Bajulações |
Não funcionam, pois não se compra a atenção do outro falando bem dele e sim fazendo com que ele se sinta de fato importante |
2.4 Coloque o outro como sujeito da ação
O simples fato de fazer frases em que o “eu” esteja presente e, ao mesmo tempo, o outro figure como sujeito da ação (”que você […ação…]”), representa uma diferença sutil e provoca engajamento. O “eu” provoca engajamento, é o sinal de que assumo minha responsabilidade, evitando terceiras autoridades ou frases impessoais.
Eu em primeiro plano |
O outro como sujeito da ação |
“Gostaria de saber…” |
“Fiquei curioso, me diga…” |
“Vou-lhe mostrar o quanto meu produto é interessante.” |
“Minha intenção é que você se interesse pelo meu produto.” |
“Meu objetivo é elaborar o plano de ação para nosso projeto.” |
“Meu objetivo é que você e eu tracemos um plano de ação para o projeto.”* |
“Tá certo?”/ “Ok?” |
“O que você acha?”/ “O que você me diz?” |
“É importante que o procedimento seja cumprido.” |
“Preciso que você cumpra o procedimento.” |
“Adorei; foi legal a palestra do nosso colega, não foi?” |
“O que você achou da palestra do nosso colega?” |
*Por exemplo, no lugar do “nós” use “você e eu”.
Moral da história: Faça com que seu interlocutor e você se sintam protagonistas de uma história criada a quatro mãos, colocando o como sujeito da ação (padrão de linguagem = “…que você + verbo”). Dê um lugar de destaque ao outro, faça-o existir por meio de suas perguntas e do seu interesse genuíno. Reúse as palavras exatas dele. Ao mesmo tempo, cuide para falar de igual para igual.
Conclusão
Existem muitos motivos para o outro não nos escutar. O interessante é perceber o quanto essa situação depende de nós. Como em muitas outras áreas da vida, aqui, impera a lei da reciprocidade: ofereça sua escuta e use padrões de linguagem que provocam aproximação para, depois, receber a escuta do outro.
Data: 16/02/2019