Assumir sem se culpar, acolher sem concordar…

Ao começar este artigo, reconheço o quanto é mais fácil falar sobre como lidar com a agressividade do outro, do que realmente “fazer”. Isso porque, quando ao vivo, nosso corpo reage com um banho hormonal que origina uma série de reações automáticas, muitas vezes contra produtivas. Destaco aqui 3 passos para responder a um caso de agressividade verbal entre duas pessoas de mente sã, embora saber destes 3 passos possa também lhe ajudar no dia em que se surpreender, você mesmo agredindo verbalmente o outro.

1º passo: Inspire

“Entre o estímulo e a reação, existe um espaço. Neste espaço reside a nossa liberdade e a possibilidade de crescimento” Vitor Frankl.

O primeiro passo é acessar este espaço de liberdade com uma inspiração longa, por exemplo de uns 3 segundos. Sem a pausa, a informação fica sequestrada na amídala e seus 3 reflexos reptilianos (Lutar/Fugir/Congelar) levando a adoção momentânea de comportamentos totalmente irracionais, dos quais costumamos nos arrepender depois.

Com a pausa, a informação sai do sistema límbico e chega até o córtex pré-frontal onde se situa sua capacidade de raciocínio e sobretudo de empatia.

Esta inspiração favorece um processo de ‘desidentificação’, um desapego na forma de uma suspensão temporária do ego para evitar que levemos as palavras do outro para o pessoal, condição preliminar para conseguir executar o segundo passo.

2º passo: Descentre e se interesse pelo outro

Face a agressividade do outro, precisamos praticar o nosso discernimento. De um lado temos os fatos “geradores” que levaram a pessoa a estar no estado que está, e do outro lado temos o simples fato dela estar no estado em que ela está. Os primeiros resultam do encontro entre duas histórias: a sua e a dele. O segundo fato é incontestável e é só dele.

Quando estamos no modo “autodefesa” costumamos nos identificar com as palavras do outro e levá-las pelo lado pessoal, focando então todos os nossos recursos cognitivos sobre o nosso ponto de vista em relação aos fatos geradores. O problema é que apesar de sempre termos bons motivos para isso, essa nossa reação autocentrada, que muitas vezes espelha a agressividade do outro, acaba colocando mais lenha na fogueira.

A solução está em focar no segundo fato: o estado do outro. Mesmo que custe acreditar, o outro sempre tem bons motivos que o levam a ter o comportamento que tem. Insisto: independentemente de concordarmos ou não com os motivos do outro, o fato principal e inquestionável, é que do ponto de vista dele, os motivos são legítimos. E enquanto não darmos prova de escuta na história do outro, a maior probabilidade é que continuaremos sendo o vilão da história dele.

Assim, o segundo passo é descentrar, no sentido de tirar o foco de si mesmo e se interessar pela história do outro. Atrás do gatilho gerador de uma emoção, sempre existe uma causa raiz. Falando de outra maneira, atrás de qualquer emoção negativa sempre existe uma necessidade não atendida.

Investigue, explore e ajude o outro a verbalizar qual é a história atrás da emoção. Faça isso usando perguntas abertas e neutras, por exemplo: “Como assim?” “O que aconteceu?”, “me diga mais?”, “Não entendi, me explique?”

A tentação é grande de focar nos fatos geradores da emoção, ainda mais considerando que eles são passíveis de debate e discussão. Sobretudo, não se justifique, não argumente, não sobreponha sua versão da história à do outro – é cedo demais. Em vez disso, se interesse pelo outro, pela história dele, reconheça que independentemente da sua versão sobre os fatos geradores, o fato dele se encontrar neste estado emocional é legítimo.

Esse é o momento da empatia, onde se aplica a lei universal da reciprocidade: “é preciso dar para receber”. Dê prova de escuta para que ele sinta sua necessidade escutada e acolhida, sem isso ele não irá lhe escutar. Agora, cuidado! não confunda acolher e concordar com o outro.

Quando a mágica acontece, observe, em geral aparecerá no seu rosto um leve sorriso, neutro e acolhedor que chamo de sorriso da Madre Teresa de Calcutá. Cuidado! não tente fingir o sorriso pois o risco é grande de ser um sorriso sarcástico ou irônico (Postura acima do outro) ou ser um sorriso de submissão e de culpa (postura abaixo do outro). Apenas se interesse pela história do outro e sentirá um leve sorriso, e quando estiver realmente em empatia, quando não se identificar mais com as palavras do outro, então naturalmente este sorriso refletirá uma postura de igual para igual.

Na prática: Para ilustrar este passo sugiro utilizar um caso que uso nas minhas palestras. Imaginemos que você não tenha vindo trabalhar ontem, devido a necessidade de fazer um check up de saúde obrigatório pelo plano de saúde da empresa. Você avisou o seu chefe por e-mail com um mês de antecedência, só que provavelmente ele esqueceu. Ao chegar na empresa no dia seguinte, o seu chefe começa a lhe dizer as seguintes palavras de forma bem agressiva:

“Poxa que folgado(a)!!!!”

Ciente das dicas acima mencionadas, você inspirou, saiu do foco, se desidentificou, e conseguiu perguntar com um tom acolhedor e neutro:

“Folgado(a)?? Como assim?” ou “Folgado? Não entendi? O que aconteceu?”

Em muitas situações uma simples inspiração e uma pausa, com uma postura acolhedora é suficiente para dissolver os conflitos. Outras vezes precisa ir mais longe, por exemplo imaginamos que o seu chefe tenha respondido, sempre de forma agressiva:

“Você não veio ontem! Não avisou! Voltou hoje como se de nada tivesse acontecido! E ainda se atreve a me perguntar o que aconteceu! Por isso chamo você de folgado(a)”.

E aí você se pergunta: “e agora como eu faço? Não resolveu nada o artigo! Deveria ter lido até o final!” 😉

3º passo: Assumir sem se culpar e acolher sem concordar

Vimos acima o quanto misturamos as palavras do outro e respondemos a elas por uma única e igualmente misturada resposta.

Por exemplo, quando faço este exercício, o que mais ouço, são respostas com o mesmo tom e agressividade: “Mas eu te enviei o e-mail!” (justificativa), “ vc que é folgado e não lê seus e-mails!”(contra-ataque) “Não me fale neste tom!” “ vc que está errado…” (defensiva) “Entendo o teu ponto mas….” (falso acolhimento)…

Acontece que dentro de uma única fala do outro, têm fatos geradores, fatos externos, fatos internos, coisas que você concorda, coisas que discorda, boas notícias e más notícias, etc.

Para desarmar o outro e acelerar as etapas da curva das emoções*, não basta escutar e ter empatia, ainda precisa dar prova de escuta e prova de empatia. É um exercício de discernimento que inicia com a escuta interna.

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A minha experiência é que nas palavras do outro, procurando bem e exercendo a empatia, em geral encontramos um terreno em comum. O segredo para não cair em oposição é sempre começar acolhendo o outro, reusando trechos de fala exatos do outro, verbalizando a escuta interna de forma não violenta e só depois disso se posicionar de forma assertiva. Isso resulta em inúmeras combinações possíveis, a seguir alguns exemplos:

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Observação: Quanto mais forte é o acolhimento, tanto mais forte será a escuta do posicionamento.

Cuidado: A solução de facilidade é concordar com o outro para se livrar dele. Neste caso, acabamos entrando no viés de assumir se culpando, ou de acolher concordando:“Realmente eu não vim ontem, deveria ter te avisado”/ “Você tem razão”/ “não farei mais” ….

Isso tem a ver com uma frase que viralizou e que, ao meu ver, pode fazer grandes estragos quando mal interpretada:

“Você quer ter razão ou ser feliz?”. Muitas vezes eu vi pessoas entregarem a razão para o outro para serem felizes. Para mim, a interpretação é diferente: “É feliz quem entendeu que não há “Razão”, que não há certo e errado, ou seja, que há apenas opiniões diferentes sobre os mesmos fatos”.

Na práticaOutro exemplo, imagine que você entregou um trabalho atrasado para um cliente de confiança para o qual você já entregou dezenas de trabalhos, sempre nos prazos e de forma impecável, e que ele lhe fale, no embalo da emoção:

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São inúmeras combinações possíveis, veja dois exemplos, sempre se apoiando nas palavras exatas do outro:

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Resumo da coreografia: quando confrontado com a alteridade, pause, inspire, saia do foco, se descentre para compreender o lugar legítimo de fala do outro, dê uma prova verbal de empatia e acolhimento e só depois volte para o seu centro e se posicione de forma assertiva. Quando exercitado com frequência, este gesto substitui respostas precipitadas e automáticas e faz milagres, experimentem!

*Nota: Nos exemplos acima, enquanto a pessoa estiver do lado esquerdo da curva das emoções, ela não irá escutar a parte azul, apenas a parte verde irá ajudar a fazer com que ela passe do outro lado da curva. De que curva estamos falando? Para saber mais sobre curva de emoções, veja os demais artigos, ou clique aqui

**Imagem: Renato Inacio Fluencydesign.com.br

Sobre o AutorThomas BRIEU, Franco-Brasileiro, ao longo de 15 anos de observação e experimentação em milhares de conversas e negociações, se questionou: o que provoca aproximação e o que provoca resistência no outro?

thomas brieu - escutatória

Incorporando os estudos mais recentes sobre neurociência, liderança, negociação e andragogia, desenvolveu um método que permite a cada pessoa mapear os seus padrões não produtivos de linguagem e de escuta e praticar alternativas eficientes de comunicação como uma nova ecologia da linguagem.

Atualmente reside no Brasil e é reconhecido pelos seus treinamentos em Escutatória, Foco, Liderança, Vendas, Storytelling ao vivo e Inteligência Emocional.

Além disso, se dedica à projetos de conservação (RPPN´s) e estuda o que a natureza e a biomimética têm para nos ensinar no que se refere a comportamentos e relações humanas, por exemplo, no jogo de competição x cooperação.

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